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A Realidade por trás da Covid-19 a doença que está mudando a forma como vivemos.

Os últimos meses vividos em 2020 não têm sido fáceis. A pandemia causada pelo Coronavírus pegou o mundo inteiro despreparado. Alteramos nosso ritmo e nossa forma de trabalho, além de outras mudanças que ainda precisamos realizar para nos adaptar ao longo desse tempo. Igualmente difícil tem sido absorver as informações que nos cercam, que em alguns momentos nos deixam fatigados e confusos sem saber o que é verdade ou mentira. Pensando nisso, nós da Revista Secovi, resolvemos procurar uma especialista da área da saúde com a intenção de que ela pudesse esclarecer algumas dúvidas. Entramos emcontato com a Dra. Maria Tereza Néri, Especialista em Medicina da Família e Comunidade, CRM 50410, que gentilmente dispôs do seu corrido tempo para esse bate papo esclarecedor e denso.

Confira como foi essa conversa:

Revista Secovi:

Para começar, gostaríamos de saber o que de fato é o tão falado coronavírus, é esse monstro todo que temos visto na mídia ou é algo mais simples?

Dra. Maria Tereza:

Então, o novo coronavírus é um vírus “novo” porque já existia outros vírus do tipo corona que é esse que tem as estrelinhas em volta dele que parece com uma mamona. Por essa razão, a gente fala que é novo, porque esse vírus vem com algumas características específicas: a maioria dos coronas estava mais ligado a sintomas intestinais, as famosas viroses intestinais, enquanto o vírus novo veio com esse potencial de letalidade, trazendo toda essa novidade ao mundo. A princípio a gente acreditava que seria apenas um vírus respiratório, mas hoje já conseguimos perceber através de estudos que ele é um vírus que não ataca só o sistema respiratório, mas também tem capacidade para causar uma alteração no sangue, que na medicina chamamos de tromboembolia, que é uma alteração na coagulação do sangue.
Outros estudos mostram que ele ataca o coração e talvez por isso os pacientes que tenham problemas cardíacos são os que têm tido uma mortalidade maior e ainda tem estudos que mostram que ele pode atacar também o sistema nervoso central. Pacientes que sobreviveram ao covid-19 que não tiveram parada cardíaca e que não tiveram nada que gerasse uma lesão no encéfalo, evoluem com sintomas sugestivo de demência e começam a ter problemas de memória.
Então, tudo que é novo e desconhecido é assustador e além de novo e desconhecido ele realmente tem se demonstrado assustador. Ele apresenta um potencial de transmissão muito grande e quando se transmite muito um vírus, por mais que ele tenha uma letalidade baixa, acaba que o número de pessoas envolvidas é muito grande, por consequência, o número de óbitos também é grande. A princípio se acreditava que ele seria menos letal que a Sars-CoV-2, a gripe do porco, a gripe aviária e outras com as quais todos já tivemos contato, só que, embora ele tem se mostrado com uma letalidade um pouco parecida, a transmissibilidade dele é maior. Por isso o número de óbitos é muito maior e mais assustador, principalmente porque os outros vírus apresentavam o comportamento de atacar o sistema respiratório, enquanto o covid tem atacado múltiplos órgãos além de não termos um tratamento específico.

Revista Secovi:

Por se tratar de vírus, uma vez que uma pessoa já teve o novo coronavírus é possível que essa mesma pessoa venha a se contaminar novamente?

Dra. Maria Tereza:

Provavelmente sim. Como a gente ainda está na primeira onda, o que se supõe é em cima dos vírus que a gente já conhece. A maioria dos vírus respiratórios apresenta imunidade provisória, então a gente imagina que esse também desenvolva imunidade provisória, que pode durar de um ano a dois anos ou até mais. Mas é um vírus que está aí há pouco mais de seis meses, então ainda não houve a segunda onda para saber. Já houve pacientes que apresentaram dois casos nesse período de seis meses, com um intervalo de tempo muito pequeno e não se sabe se eles tiveram contato com o vírus novamente ou se foi o próprio vírus que ficou incubado e deu uma segunda atacada no indivíduo por não ter sido eliminado de verdade.
Ainda não tivemos tempo suficiente para dizer se existe imunidade permanente ou não, o que se imagina é que provavelmente esse vírus vai ser igual aos outros. A maioria dos vírus respiratórios e vírus intestinais apresentam imunidade só temporária, tipo a gripe da influenza A que temos que nos vacinar todo ano. O vírus da influenza A é muito simples, então ele sofre mutação muito fácil e aquilo que o corpo aprendeu a eliminar o ano passado, esse ano já está diferente, então o corpo não dá conta de ir na velocidade do vírus.

Revista Secovi:

Muito se ouve falar sobre os grupos de risco, mas quem de fato é do grupo de risco e quais as complicações que podem ter?

Dra. Maria Tereza:

Fazem parte do grupo de risco aquelas pessoas que apresentam maior probabilidade de ter complicações mais graves. Os pacientes idosos por que o sistema imunológico deles é mais frágil, independente de ter alguma doença de base ou não, todo paciente idoso tem um sistema imunológico mais fragilizado. Além do idoso, incluímos pacientes obesos por que eles também têm um sistema imunológico frágil. O paciente de Uberlândia mais jovem que faleceu, tinha 38 anos e era um paciente obeso. Esse é um fator de risco que temos visto também. A obesidade interfere como se fosse um processo inflamatório no corpo, então o corpo está mais inflamado e como ele estámais inflamado o sistema imunológico está mais ocupado em tentar combater essa inflamação, por essa razão o sistema imunológico do paciente obeso é considerado mais frágil e por isso ele tem uma chance maior de evoluir com complicações. Além disso, doenças que por si causam alteração na imunidade, como a diabetes e as doenças tipo câncer, doença autoimune na qual paciente precisa usar imunossupressor. Por isso, pacientes que estão em tratamento de câncer, artrite reumatoide ou lúpus, que são doenças autoimunes, precisam usar corticoide em doses altas e o corticoide inibe o sistema imunológico. Também temos visto pacientes com doenças cardíacas e pacientes com doenças renais com maiores complicações. Então o grupo de risco, como se pode ver, não é pequeno. Com relação a crianças e gestantes ainda não temos certeza se eles pertencem ou não ao grupo de risco, mas se imagina que sim, porque a gestação é um estado de imunocomprometimento, para mãe não atacar o feto o sistema imunológico dela tem meio que ser desligado. Já a criança porque o sistema imunológico dela ainda está sendo preparado. A princípio, as crianças não têm apresentado uma letalidade maior que os idosos, parece que elas têm uma suscetibilidade maior que as pessoas mais velhas, porém elas não são mais suscetíveis a desenvolver complicações.

Revista Secovi:

Desde o início da pandemia no Brasil se ouve falar sobre o momento que irá chegar o pico de contaminação. Nas últimas semanas aqui em Uberlândia (até o momento da entrevista) o número de casos tem aumentando drasticamente, isso significa que já chegamos ao pico?

Dra. Maria Tereza:

Infelizmente ainda não chegamos ao pico. Só saberemos se chegamos ao pico quando sairmos dele. Tenta imaginar uma curva, para sabermos quando estiver no pico essa curva tem que começar a declinar e a nossa curva contínua em linha reta para cima. Se espera que estejamos chegando nele, porque quando chegar é sinal que está começando a diminuir a velocidade de contágio, mas a princípio não estamos tendo sinal que esse pico esteja próximo. E a única coisa que já foi provado, por vários fatores, que funciona com essa doença é o isolamento e estamos com dificuldade de fazer esse isolamento no nosso município.

Revista Secovi:
Olhando os dados que a prefeitura disponibiliza diariamente e comparando estes dados com o restante do país, temos a impressão que estamos melhor que a maioria dos outros municípios. Como realmente está o cenário de Uberlândia frente ao covid-19?

Dra. Maria Tereza:

Nós realmente estamos melhor do que grande parte do país, por que Uberlândia é uma cidade rica e a quantidade de pessoas na faixa da miséria aqui é menor do que em muitas cidades. Nosso sistema de saúde não é bom, mas é muito melhor que em outros locais. Por isso, se olharmos o todo, Uberlândia é uma das melhores cidades do país em se tratando de índice de desenvolvimento humano, que é um dado positivo. Como exemplo, o estado de Sergipe tem 80 leitos de UTI na rede pública, já o município de Uberlândia tem 100 leitos de UTI na rede pública, por aí você percebe porque a gente ainda está em uma situação privilegiada. Mas se olharmos para a nossa demanda, Uberlândia nunca teve leito de UTI sobrando. Esses leitos “sobrando” que vemos nos dados de hoje existe porque tivemos que fechar o ambulatório do HC (Hospital de Clínicas) para tê-los. Você não tem noção o que é fechar o ambulatório da UFU. Isso é fechar o atendimento para mais de 4 milhões de habitantes, porque o território que o ambulatório da UFU atende é de 4 milhões de pessoas da nossa região. Ele não é só para Uberlândia, é para o que chamamos de Macro Triângulo Norte, então toda a parte de cima do Triângulo Mineiro se desloca para cá. Quer dizer que se uma pessoa de Patrocínio, que é uma das cidades mais afastadas da nossa micro área, que precisa de uma cirurgia de vesícula que estava na fila há três anos e que a cirurgia estava marcada para março de 2020, teve a cirurgia adiada por tempo indeterminado. Uma pessoa que precisa de uma cirurgia cardíaca que estava marcada para março de 2020 também teve sua cirurgia adiada por tempo indeterminado, assim como qualquer outra cirurgia eletiva. Então, pra conseguir esses leitos que estão sobrando, tivemos que parar muita coisa, e esse problema não vai ter uma resposta hoje, daqui a um ano é que vai aparecer o estrago que isso causou.
O impacto da covid-19 não é só para hoje, não será um impacto que terá uma resposta rápida. A gente ainda vai ter até a terceira onda que é quando esses pacientes crônicos vão agudizar e não teremos onde pô-los. Quando isso acontecer, se deixarmos o HC funcionando normalmente, teremos uma demanda muito grande por cirurgia e procedimentos que necessitam de UTIs e esses procedimentos vão ocupar leitos de pessoas com covid-19. Todos esses pacientes que tinham a UFU como referência não têm mais já há alguns meses, se esses pacientes que já estavam na fila tinham esperança de sair da fila em três anos, em média, agora vai levar mais tempo. A gente está em uma situação que parece ser confortável, mas nem de longe realmente é. Esse problema vai explodir em algum momento, provavelmente no ano que vem, no máximo.
Como exemplo tenho uma paciente cujo genro infartou em Janeiro. Saiu a vaga para ele ser internado em março para fazer o cateterismo. Ele internou e deram alta para ele ir para casa. Hoje ele está em casa infartado desde janeiro. Tem também pacientes que estavam com acompanhamento com neurologista da UFU e agora estão sem acompanhamento. Tem paciente que precisa passar uma sonda e não sabemos como iremos fazer por que talvez não conseguiremos vagas de sondas e o paciente está sem comer já há alguns dias. Então não é tão simples quanto parece. Uberlândia está em uma situação privilegiada comparada com outras cidades do nosso país, mas nem de longe nossa situação é confortável. Saúde não espera. Uma hora todos esses problemas vão aparecer. Só pra ficar claro: nunca existiu leito de UTI sobrando na UFU. Para se ter noção: existe fila de espera com 30 pacientes aguardando e quem precisa de UTI não aguenta esperar.

Revista Secovi:

Diante desse cenário, como está a rotina de vocês médicos?

Dra. Maria Tereza:

Assim, eu estou tranquila porque eu tenho muita certeza da minha escolha. No momento que você escolhe ser médico automaticamente escolhe correr alguns riscos. Pegar uma doença contagiosa é um risco inerente à nossa profissão, ao mesmo tempo estou tomando todos os cuidados possíveis para não pegar e nem transmitir para alguém da minha família. Uso todos os equipamentos de proteção individual e troco de acordo com as recomendações necessárias. Lavo a mãos constantemente e ao chegar em casa a roupa que usei na rua fica do lado de fora assim como os sapatos, ao entrar já tomo banho, ao ir no supermercado, mesmo que seja para comprar uma caixa de fósforos, a roupa que usei no supermercado não adentro com ela em casa, tento tomar todos os cuidados possíveis. A gente tem que tomar cuidado por que é tudo muito novo, não sabemos como nosso corpo reage ao vírus, ainda não temos as respostas. Como, no momento, não estou trabalhando dentro do pronto socorro minha rotina é um pouco diferente, quem está na linha de frente é quem está no pronto socorro, que em momento nenhum parou de atender.

Revista Secovi:
E com tudo isso que você nos contou e depois de alguns meses vivendo essa realidade, qual é a sua maior preocupação no momento?

Dra. Maria Tereza:

Minha preocupação é mais como pessoa do que como profissional da saúde. O que o nosso país está virando. As pessoas parecem que não se preocupam com o outro. Eu vejo pacientes idosos cujos os filhos não estão nem aí, não protegem esse idoso que tem em casa e isso me preocupa muito, porque a informação tem chegado o tempo todo, as mídias têm avisado que é uma doença nova que muitas pessoas estão morrendo, que é preciso tomar cuidado, que existem os grupos de riscos e, mesmo assim, vemos jovens dando festa, pessoas que andam com a máscara pendurada no pescoço. Então isso me preocupa. Eu vejo com muita preocupação porque vejo que muita gente não está acreditando e acha que não tem problema, que por ser jovem ou não fazer parte do grupo de risco não precisa se proteger, mas esquece que vivemos em comunidade e se a gente não cuida de quem está do nosso lado, uma hora isso volta para nós.

Revista Secovi:

Outra questão importante é o fato de que o vírus ainda não tem um tratamento ou vacina específicos, ainda assim, já existe um grande número de pessoas recuperadas. Como essas pessoas têm conseguido se curar?

Dra. Maria Tereza:

O que acontece é que nós temos a nossa disposição um arsenal de drogas para sintomas, a medida que o paciente vai apresentando determinado sintoma, nós vamos tratando esses sintomas. Agora imagina que sua casa está pegando fogo porque teve um curto circuito, o bombeiro vai lá e vai apagando o incêndio, mas enquanto não chega no curto circuito pode ser que o bombeiro não consiga apagar o incêndio a tempo da sua casa não ser destruída. É isso que temos hoje: temos que agir rápido e agir certo, se não fizermos isso corremos o risco de destruir a casa antes de destruir o fogo. O que acontece, às vezes, é que a gente vai destruindo o corpo do paciente e não consegue destruir o vírus, às vezes a gente consegue destruir o vírus sem que o corpo do indivíduo seja destruído e é aí que se dá a recuperação. Se o coração do paciente está parando, por exemplo, ele não vai conseguir combater o vírus e a gente vai precisar jogar droga para o coração funcionar, aí o rim começa a parar e a gente joga droga para o rim, daí é a circulação que começa a colapsar, e a gente joga droga para a circulação. Às vezes, durante esse tempo, a gente consegue ir apagando o incêndio daqui e dali e a pessoa consegue eliminar o vírus. Ou seja, não temos um tratamento que mate o vírus, temos tratamentos que cuidam das lesões que o vírus vai causando e às vezes as lesões são tão graves que o indivíduo não resiste, não é tão simples, mesmo que a gente tenha um arsenal terapêutico é um processo que pode ser longo.

Revista Secovi:

Para finalizar, você gostaria de deixar alguma sugestão ou adicionar alguma informação?

Dra. Maria Tereza:

Eu penso que as pessoas precisam procurar informações de qualidade. As informações mais seguras possíveis. Evitar conversas de whatsapp, evitar conversa da vizinha, da prima, do tio e do sobrinho. Observar tudo que chega de notícia e avaliar se é verdade, porque estamos vivendo uma situação que é muito grave e se a gente não se informa direito, corremos um risco de ser vítima da desinformação. Busque informação de qualidade, não acredite em fake news, porque todos os dias se inventa uma mentira nova e isso é muito grave.

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